5 . A R T I G O S
Mídia
Alternativa Versus
‘Pensamento Único
’ José Arbex Jr.*
“A Folha , por exemplo, não tem conferido a alguns eventos recentes as devidas
dimensões (...).
Algo semelhante houve na cobertura do protesto contra
a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), organizado no dia 20
de abril na avenida Paulista.O jornal registrou o ato e os
confrontos entre os cerca de 600 manifestantes e a Polícia
Militar.Noticiou um saldo de 12 feridos (dois policiais e dez
manifestantes).
Até aí, tudo bem. Lendo nestes dias a edição de maio
da revista Caros Amigos , porém, me dei conta de que o relato trazido
pela Folha sobre o que de fato se passou ali foi, no mínimo,
limitado.A
revista pública cinco depoimentos de pessoas que participaram do
evento, e eles são estarrecedores.Um deles chegou a ser enviado para a
própria Ouvidoria da Polícia Militar.A PM nega, mas os detalhes de
maus-tratos descritos, inclusive torturas, fazem lembrar os métodos
de repressão a passeatas usados na época do regime militar.A Folha
–e, de resto, todos os órgãos da chamada grande imprensa – deixou
a desejar quanto ao episódio.Ficou na superfície, para depois
esquecê-lo.
” (Folha de S.Paulo , 27.05.2001, p.A-6, coluna do
ombudsman Bernardo Ajzemberg) O trecho acima transcrito esclarece
aquilo que nem sempre é óbvio:as fontes “alternativas ” ou “independentes
” de informação constituem um precioso instrumento para uma
compreensão mais profunda da realidade política, social e cultural do
mundo.Não raro, são as únicas interessadas em revelar fatos que a
“mídia grande ”.Manual de Mídia e Direitos Humanos 62 prefere
ocultar, “esquecer ”, minimizar ou apresentar segundo uma
perspectiva espetacular e dissociada de seu contexto próprio.
Calúnias, injúrias e difamações contra os movimentos populares A
cobertura dos eventos relativos ao MST fornecem outro exemplo de
manipulação e/ou fabricação dos fatos, do recurso às injúrias,
calúnias e difamações.Como não lembrar, aqui, as muitas
capas e “reportagens ”da revista Veja , em que o MST é apresentado
como “baderneiro ”, “subversivo ”, “radical ”, liderado por
João Pedro Stédile, ora apresentado como a encarnação de Belzebu,
ora como James Bond?
Ou as “reportagens ” como as
publicadas pela mesma Folha , em maio de 2000, para “provar ”que o
MST é corrupto, não obstante o fato de o “repórter ”autor das
“denúncias ”, Josias de Souza, ter admitido diante da FENAJ
(Federação Nacional dos Jornalistas)que trabalhou sob orientação e
supervisão direta do Incra? Tão estarrecedor quanto aquilo que a
mídia mostra de forma deturpada é aquilo que ela oculta.Por exemplo,
a já mencionada barbárie práticada pela PM na avenida
Paulista;a cumplicidade entre policiais e jagunços na perseguição
e assassinato de lideranças de trabalhadores rurais, em várias
regiões do país (são notórios os casos do sul do Pará e no estado
do Paraná); a total e absoluta intransigência de autoridades e
patrões que, não raro, forçam o confronto com os movimentos e
sindicatos que apresentam pacificamente suas reivindicações. A
prática do ocultamento e da manipulação dos fatos obedece a uma
lógica comum a todos os veículos da grande mídia: aquela que
apresenta o mercado como o destino inexorável de todas as atividades
humanas.Tudo deve passar pelo crivo do mercado, da eficácia, da
produtividade, da competição:a produção de ciência, a literatura,
as relações afetivas, a política, a arte, a cultura.Tudo é
reduzido à condição de mercadoria, e a própria notícia torna-se um
“produto ”a ser vendido como tal. Não interessa o valor social da
notícia, mas sim quantos pontos.63 Manual de Mídia e Direitos Humanos
no Ibope ela vai conquistar.
O playboy e a modelo No final de julho, fomos infelizmente brindados com um exemplo muito claro desse
mecanismo de “espetacularização ” e venda da notícia.Com grande
estardalhaço, as emissoras de televisão, rádios e jornais impressos
notíciaram a queda do helicóptero pertencente à família Diniz,
proprietária do Grupo Pão de Açúcar.Dia após dia, o país
foi assaltado por imagens de equipes que buscavam os destroços do
helicóptero e, sobretudo, o que restou do corpo da modelo Fernanda
Vogel. Só que no mesmo dia foi acidentado, em Rondônia, o bispo
católico Moacyr Grecchi, internado em estado grave no hospital
Albert Eistein de São Paulo, para onde foi trasladado. Nenhuma linha
sobre o fato.D.Moacyr foi presidente e fundador da Comissão
Pastoral da Terra, do CIMI e fez parte da direção da CNBB em várias
gestões.Partiram dele as denúncias junto ao Ministério Público
contra o coronel Hildebrando Pascoal, acusado por crimes como serrar
seus adversários no Acre.
A “opção preferencial ” que a mídia
fez pelo milionário e sua namorada transmite uma mensagem não
explícita sobre aquilo que é realmente importante no mundo.Revela
também o poder que o Grupo Pão de Açúcar, um dos principais
anunciantes do país, exerce sobre os meios de comunicação.O casal
encarna a “dolce vita ” e também a desigualdade social que
permite a existência luxuosa de alguns às custas da miséria e
sofrimento da imensa maioria, no caso representados por D.Grecchi. O
imaginário dos telespectadores e leitores é assim condicionado por
uma transmissão permanente e jamais explicitada de valores sociais e
morais:a glória de ser rico e famoso, em contraste com o anonimato e
sofrimento reservados aos pobres ou aos que contestam a ordem vigente.
Pluralismo, democracia e direitos humanos A mídia “alternativa ”ou
“independente ”permite a ruptura, .ainda que em pequena escala, do
edifício comunicativo hegemônico construído pelas grandes
corporações.Permite que discursos e linguagens ofereçam as mais
variadas perspectivas;que pautas sejam produzidas com uma
preocupação não orientada pelo lucro. Nesse sentido, o pluralismo
oferecido por essas mídias, em seu conjunto, é tão importante quanto
o conteúdo ideológico de cada uma delas, propriamente dito.
É
importante que todos possam expressar os seus pontos de
vista:católicos, protestantes, anarquistas, comunistas,
socialistas, punks, democratas, “culturalistas
”, zapatistas, homossexuais etc.etc.O pluralismo, mais do que a “verdade
”de uma única ideologia, é a verdadeira resposta ao “pensamento
único ” voltado para o mercado.. É por essa razão que o estímulo
à proliferação de veículos “alternativos ”ou “independentes
”de comunicação se inscreve total e indissoluvelmente no quadro da
luta pelos direitos humanos, e vice-versa.Não porque a “verdade ”do
“meu ”veículo seja mais verdadeira do que a verdade do veículo
do “outro ”, mas porque o direito à informação plural deve ser
assegurado a todos os seres humanos (o que, aliás, implica uma
discussão sobre o acesso à educação formal, assim como a capacidade de adquirir informação por meio de aparatos tecnológicos,
hoje
assegurada a uma pequena minoria).
A democracia, no seu sentido mais forte, participativo e não meramente
representativo, é uma prática
permanente de confrontação de discursos.Sem isso, ela fica reduzida
ao direito formal, vazio, desconectado da realidade, que permite que a
população escolha, a cada quatro anos, aqueles que vão espoliar a
nação nos quatro anos seguintes.Esta, precisamente, é a vocação do
neoliberalismo:criar democracias fracas, em que as sociedades,
entorpecidas pelo “discurso único ”aceitem o mercado
como o inelutável destino.Sem fontes “alternativas ”ou “independentes
” de informação, , não há democracia possível. *José Arbex Jr.é
editor da revista Caros Amigos
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