I
COLÓQUIO ANUAL DE DIREITOS HUMANOS DE SÃO PAULO
Contribuições do Grupo de Trabalho de Mídia
A reunião de ativistas pelos direitos
humanos vindos de vários Estados do Brasil,do Pará ao Paraná,e de
países de diferentes continentes,como Colômbia,Guiné Bissau e Timor
Leste, durante o I Colóquio Anual de Direitos Humanos de São Paulo,
trouxe novas contribuições para a reflexão sobre mídia e direitos
ilustrando com casos do cotidiano vários dos pontos levantados nos
debates do Projeto Direitos Humanos e Mídia. A partir do grupo de
trabalho de mídia do Colóquio também foram elaboradas
recomendações,como a de que sociedade civil e mídia devem trabalhar
juntas e articuladas para fortalecer a divulgação de questões
relacionadas à proteção dos direitos humanos –tarefa nada fácil
–,com o intuito de levar ao conhecimento de leitores,ouvintes e
telespectadores os instrumentos e mecanismos internacionais de
proteção aos direitos humanos e exercer pressão sobre os Estados
que os violarem.Por outro lado,é preciso também trabalhar para
reverter o quadro de que boa parte da mídia não divulga
informações relacionadas aos direitos humanos de forma
aprofundada,mas apenas espetaculariza e fragmenta a notícia,sem
desenvolver relações de causa e efeito,em um denuncismo nada
propositvo. O I Colóquio Anual de Direitos Humanos de São Paulo foi
realizado entre 13 e 25 de maio de 2001,com 131 participantes de 13
países de língua portuguesa e espanhola,selecionados em sua maioria
por viverem em regiões com difícil acesso ao.Manual de Mídia e
Direitos Humanos 50 tipo de capacitação proposta pelo Colóquio e
marcadas pela exclusão em diferentes níveis,entre eles o do acesso
à informação,um direito humano freqüentemente violado.O grupo de
trabalho de mídia,com 24 pessoas,foi um dos cinco formados durante
o encontro e contou com a facilitação e contribuição de
especialistas convidados a debater com os participantes os seguintes
temas: Instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos,com James Cavallaro,Sandra Carvalho (Centro de
Justiça Global)e
Marcelo Freitas (Sociedade Paraense de Direitos Humanos);Direito à
informação e democratização dos meios de comunicação de
massa,com Jair Borin (ECA-USP)e Luís Armando Badin (Centro de
Direitos Humanos –USP);Direito à privacidade versus interesse
público,com Eugênio Bucci (Tver);A mídia e o discurso contra a
violência,com Mônica Teixeira (TV Cultura)e Mídia:propagadora ou
violadora dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes?,com
Laurindo Leal Filho (Tver;ECA-USP)e Gilberto Nascimento (Revista
Istoé). Fora do trabalho específico do GT de Mídia,uma tarde de
capacitação foi aberta a todos os participantes do Colóquio
interessados,sob o tema “inserindo direitos humanos na mídia ”
(ver material abordado em destaque adiante neste capítulo),atividade que contou com exposição e facilitação do jornalista
Gabriel Priolli,da TV Cultura,e de Sandra Carvalho,do Centro de
Justiça Global e uma das coordenadoras do GT de Mídia no Colóquio.
Se nos capítulos anteriores reunimos as opiniões de profissionais
da grande imprensa brasileira,de autoridades e de militantes do
movimento pelos direitos humanos,que em sua maioria atuam no Rio,São
Paulo ou Brasília,a contribuição do grupo de mídia do Colóquio
para este documento traz discussões sobre mais países e também
sobre “outros brasis ”,dos quais pouco se vê e pouco se fala nos
grandes centros.Os direitos de.51 Manual de Mídia e Direitos Humanos
jornalistas e dos meios de comunicação,abertamente ligados aos
poderes político e econômicos locais,são freqüentemente
violados,ao mesmo tempo em que estes são também violadores ou
inibidores do exercício pleno de direitos fundamentais.Este foi um
dos principais temas do debate no GT de Mídia,cuja síntese é
apresentada a seguir. Jornalismo,conquista dos cidadãos;direito à
informação, direito humano. Em sua exposição sobre “direito à
privacidade x interesse público ”,o jornalista e estudioso Eugênio
Bucci retomou as origens do jornalismo na Europa,situando-o entre as
conquistas dos direitos do homem,no século XVIII.“O jornalismo
começa na era pós revolução francesa,porque é um dos direitos
humanos o direito à informação.Jornalismo existe não para atender
a um mercado,mas por ser uma conquista política da humanidade.Na
democracia,o povo deve estar dotado de informação para exercer
aquilo que lhe cabe.A democracia exige que toda informação do
interesse do cidadão seja pública.” A afirmação de Bucci,no
entanto,não condiz com a realidade de países como o Brasil,onde o
interesse privado prevalece em detrimento do público.Para
ele,interesse público deve ser entendido como “toda informação
essencial ou relevante para que o cidadão conheça e exerça seus
direitos ”.O problema estaria nas distorções que a mídia faz
desta noção de público.“De transportadores de idéias,os jornais
passaram a ser transportadores de mercadoria.Viraram negócio,com
grande interesse comercial ”,explica.“Com o surgimento dos meios
eletrônicos de comunicação de massa,busca-se atender ao público
como cliente,não mais como cidadão.Público passa a ser aquele que
acessa conteúdos de massa,e não mais aquele que cria opinião ”,
completa..Manual de Mídia e Direitos Humanos 52 Neste contexto,vê-se
deixada de lado também a função social fundamental do jornalismo
que deve ser a de atender ao direito do cidadão à
informação.Laurindo Leal Filho,da ONG Tver e professor da ECA-USP,chamou
atenção para uma questão que a mídia enfrenta atualmente neste
contexto:“Como acrescer o valor social ao produto jornalístico?”E
completa:“a notícia só se justifica se tem relevância social.”
Oligarquias da notícia;censura e violações. Um grande problema
relativo à mídia e aos direitos humanos é que,via de regra,os
detentores dos poderes econômico e político são também os
detentores dos meios de comunicação em muitas localidades,o que
impossibilita que o noticiário seja desvencilhado de seus
interesses.Esta foi uma das conclusões dos debates no GT de Mídia do
Colóquio,tema tocado em todos os painéis e ilustrado com vários
depoimentos. “Lá não tem fome,violência ou pobreza,se a gente for
acreditar nos jornais de maior circulação e nas televisões
controlados pelos políticos ”,conta Débora Borges,jornalista do
Tocantins. “Se a gente ocupa uma repartição pública aparece na
mídia, mas a iniciativa de mostrar para os repórteres,com palestras
e outras atividades,o tipo de trabalho que fazemos em educação,
cooperativa etc,nunca é divulgada ”,relata Ana Paula Araújo,
militante do MST em Pernambuco.“A gente conta mais com as rádios da
igreja para falar de causa social do que com a imprensa local,em que
não tem a menor chance de isso acontecer ”,exemplifica Valdenia
Brito,ativista pelos Direitos Humanos,no interior de Minas Gerais.
Todos comentaram a preocupação com as “oligarquias da notícia
”,ou a falta de imparcialidade da mídia.“Não há imprensa
independente na mesma medida em que não há opinião independente
do dono do veículo de comunicação –isso é regra do
jogo.Independência absoluta não existe de fato,mas não pode haver
distorção.O problema no Brasil é pior,pois a imprensa.53 Manual de
Mídia e Direitos Humanos das oligarquias não preenche nem os
requisitos técnicos para um bom jornalismo ”,diz Bucci.Valem
exemplos que parecem lenda,mas não são,de cidades em que o dono da
emissora que transmite a Rede Globo é o mesmo dono do jornal
local,cujo pai é o prefeito da cidade,o tio deputado federal,ou ainda
casos de jornalistas que se beneficiam em esquemas de trocas de
favores. Diante disso,um novo elemento é identificado como também
violador de direitos embora,em uma suposta democracia,já não deveria
mais existir:a censura.“A censura existe,só que é privatizada
[...]Temos poucos jornais verdadeiramente independentes,que não
tenham ligação com partido ou dependência do governo,como
anunciante ”,afirma Bucci. A idéia de um controle social dos meios
de comunicação,por meio de conselhos,sem que,no entanto,signifique
censura, seria uma saída viável para este problema.Mais detalhes
sobre a questão do Conselho Nacional de Comunicação,criado na
Constituição de 1988 e não implantado até agora,estão no primeiro
capítulo desta publicação.Há também,no próximo capítulo,o
artigo do Prof.Luís Felipe Miguel,da UnB,a respeito das concessões
de emissoras de rádio e televisão. O quadro pode ser
desanimador.Jornais “comprados ”ou nada comprometidos com os
cidadãos.Trabalhadores ou ativistas ameaçados.Há casos de
morte,mas a imprensa local faz vista grossa.Relatórios de violações
contra os direitos humanos ganham pouca repercussão na mídia
local.Como mudar esta situação?.Manual de Mídia e Direitos Humanos
54 RECOMENDAÇÕES -estratégias para divulgar ações pródireitos
humanos na mídia: .A relação com jornalistas mais abertos à
questão dos direitos humanos deve ser cultivada.É mais fácil
negociar um espaço no jornal ou na televisão com um jornalista amigo
da notícia. .Trabalhar com a imprensa alternativa.É preciso
aproveitar as novas tecnologias de comunicação e informação,como a
Internet,para divulgar,repercutir e trocar informações relevantes
à temática. .No contexto brasileiro,jornais de bairro e
associações também são relevantes.O participante da Guiné
Bissau,João Vaz Mane,explicou que em seu país,dada a situação de
pobreza quase generalizada,a grande maioria das pessoas não tem
acesso aos meios impressos nem à televisão.É do rádio que vem a
maior força na comunicação de massas,desempenhando um papel
educativo muito importante. .“Insistir em correções e
retratações ”,alerta Gilberto Nascimento,da Revista Istoé.Se
uma informação é veiculada equivocadamente em detrimento da causa
dos direitos humanos,isto não deve passar em branco.Os ativistas
devem exigir correção. .Fatos políticos geralmente conseguem algum
espaço na mídia.Um bom exemplo de ação é encaminhar denúncias
para um dos comitês internacionais e avisar a imprensa quando um
destes organismos confirmar que vai cuidar do caso,como por exemplo
ONU ou OEA.Isso é criar um fato político. .Trabalhar em rede.“O
trabalho em rede é fundamental para dar força ao fato político,como
na divulgação de relatórios, por exemplo.É preciso pensar
estrategicamente no que se quer produzir ”,afirmou James Cavallaro
durante o Colóquio..55 Manual de Mídia e Direitos Humanos .Em
cidades menores,pode ser boa estratégia negociar a divulgação
exclusiva de um relatório com um meio de comunicação para se
obter um espaço – destaque – maior para o fato. .“Os
instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos devem
ser conhecidos.Mas sob o ângulo jurídico apenas,valem pouco.Se forem
apropriados pela sociedade civil, valem muito.E a mídia tem um papel
educativo neste debate, levando a cultura de direitos humanos à
sociedade quando se observa e respeita os instrumentos internacionais
”,afirmou Marcelo Freitas,da Sociedade Paraense de Direitos Humanos.
.“Conquistar ” jornalistas para importância da causa.A falta de
preparo de muitos profissionais de comunicação com relação ao tema
de direitos humanos muitas vezes leva a interpretações
equivocadas.Nesse sentido é importante fazer um trabalho de
(in)formação com os repórteres,sem a eles renunciar. .As entidades
de direitos humanos devem pensar em valorizar e profissionalizar suas
áreas de comunicação.Isso dá resultado. .Desenvolver maneiras
criativas para divulgar os relatórios extra-oficiais sobre a
situação de determinados direitos humanos elaborados pela
sociedade civil.Eles são importantes ferramentas para a causa por
possibilitarem a participação da sociedade civil no diagnóstico
da situação dos direitos humanos e, conseqüentemente,na
elaboração de políticas públicas. .É necessário enfatizar que
direitos humanos não se resumem a apenas direitos civis e
políticos,sendo necessária a ampla divulgação das questões
relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESCs)pela
mídia para aproximar tais direitos dos cidadãos. .É fundamental
pensar em ação política que envolva esclarecimento de
direitos,dialogando com a mídia,de maneira que a ação não seja
unilateral..Ao final dos trabalhos do Colóquio,foi interessante
constatar que entre todos os participantes,divididos ainda nos GTs de
Políticas Públicas,Operadores do Direito,Sociedade Civil e
Educação,muitos manifestaram ter ficado em dúvida ao ter que optar
em que grupo de trabalho se inscreveriam.Isso porque julgaram
fundamental e pouco debatida na sociedade a questão da mídia para a
prevenção de violação e divulgação dos direitos humanos.A
observação geral foi de que se trata de um tema transversal que
deveria aparecer com mais freqüência nas reflexões e encontros em
torno dos direitos humanos. Participantes do GT de Mídia do I
Colóquio Anual de Direitos Humanos: Adriana Marcolini,Aluízio
Mathias,Amélia Bibiana,Ana Paula Monteiro de Araújo,Ana Paula
Felizardo,Carlos Cardozo,Cleu-ton Freitas,Débora Borges,Débora
Silva,Deolinda Macicame, Francisca Tavlos,Geovani Braun,Hercílio
Leandro,Imaculada Prieto,João Vaz Mane,José Pereira da
Conceição,Julieta Lobo de Pena,Lucinete Tavares,Mara Regina
Vidal,Márcio Barreto,Mica Barreto,Raimundo Nonato,Valdênia
Brito,Vilmar Guarani.
|