A relação
entre as ONGs e a mídia
Quais os problemas existentes na
relação de trabalho entre os veículos de comunicação e as ONGs
que atuam na defesa dos direitos humanos?
Por que relatórios e
políticas de prevenção freqüentemente não despertam o interesse
dos pauteiros?
Que recomendações fazem os militantes aos jornalistas
para que.13 Manual de Mídia e Direitos Humanos assuntos importantes
não deixem de ser abordados?É possível veicular informação
construtiva a respeito dos Direitos Humanos?
Como não derrubar
notícias da pauta quando se dá um pouco mais de complexidade ao
problema? Na tentativa de responder a essas questões e clarear
outras,o Projeto Direitos Humanos e Mídia reuniu no dia 27 de abril
de 2001 jornalistas e ativistas de ONGs que trabalham no contato com
a mídia e diariamente estabelecem diálogos com as
redações,buscando informar ao público sobre questões de direitos
humanos. Participaram do debate Nilson Oliveira,editor do caderno
Cotidiano da Folha de S.Paulo;Roldão Arruda,repórter especial do
Estado de S.Paulo;Nélio Horta,chefe de reportagem do Jornal Nacional
(TV Globo);Lúcia Nader,responsável pela área de comunicação do
Instituto Sou da Paz;Sandra Carvalho,assessora de imprensa do Centro
de Justiça Global;Oscar Vilhena Vieira,secretário executivo do
Instituto Latino-americano das Nações Unidas (ILANUD)e Maria
Aparecida da Silva,presidente do Geledés –Instituto da Mulher
Negra.A mediação foi feita pela urbanista Raquel Rolnik,conselheira
do Projeto Mais São Paulo da Rádio CBN e técnica do Polis –Instituto de Estudos,Pesquisa e Assessoria em Políticas Sociais. O
debate durou duas horas e trinta minutos.Primeiro os participantes
procuraram caracterizar a situação atual do tratamento das
questões ligadas a direitos humanos na mídia e, em seguida,buscaram
listar os obstáculos a serem superados e recomendações para que o
trabalho de pauteiros,repórteres, produtores,ativistas,fontes e
assessores seja mais fluido,correto e produtivo,na medida do
possível.Isto porque nem sempre os interesses dos envolvidos em uma
discussão como esta podem ser convergentes. Raquel Rolnik
pergunta:Houve mudança na maneira como os Direitos Humanos entram na
pauta jornalística?Se ocorreu,por que,em que medida e em função do
quê?.Manual de Mídia e Direitos Humanos 14 O processo de
redemocratização pelo qual o Brasil passou a partir de 1985 foi
apontado como o ponto de partida para a criação de mais espaços
democráticos e para a colocação do tema Direitos Humanos na agenda
do governo e de muitos veículos de comunicação,inclusive os mais
conservadores.Essa é a visão do representante da Folha de
S.Paulo,Nilson Oliveira.“Alguns setores da imprensa têm
nitidamente um compromisso com esse processo de
redemocratização,que tem no seu histórico um compromisso com essa
questão dos direitos humanos ”,afirma Oliveira. Depois de não ter
sido tratada abertamente durante a ditadura, a cobertura das questões
de direitos humanos teria saído da estaca zero,refletindo uma
mudança da própria sociedade.Esta é a constatação de Roldão
Arruda,do Estado de S.Paulo.Ele afirma que a mídia não se adianta à
sociedade,mas a acompanha.“Por exemplo (...),quando o cardeal
D.Paulo Evaristo Arns defendia os filhos da classe média contra a
ditadura,ele tinha um grande apoio da classe média.Quando ele
começou a defender preso comum nos presídios,a classe média retirou
o apoio.Estou querendo dizer que,quando tínhamos um inimigo mais
definido,que era a ditadura,havia um determinado tipo de
cobertura.Hoje a situação é completamente diferente. (...)Houve
essa abertura toda e os jornais estão refletindo essa mudança da
organização social brasileira,[em que ]surgiram também muito mais
grupos de pressão e de discussão.” A partir daí teríamos
avanços importantes,como aponta Arruda,a exemplo de determinados
conteúdos incorporados a alguns telejornais.O noticiário de
televisão local ancorado por Chico Pinheiro em São Paulo,na TV
Globo,busca trazer informações,serviços e questões de
cidadania,prestando-se ainda ao papel de observador do poder público.“Se
a sociedade está exigindo um jornalismo com esta direção,a emissora
não pode,e não quer,ficar falando sozinha ”,diz o jornalista.Outro
exemplo seria o Jornal Nacional,que,segundo seu chefe de
reportagem,Nélio Horta,já teve seus tempos de “fingir não ver.15
Manual de Mídia e Direitos Humanos um cadáver ”,de não ligar para
violações de direitos humanos seguidas de morte,o que já não
estaria acontecendo. “Direito à informação também é um direito
humano ” O próprio Horta afirma que não só os “cadáveres ”como
a discussão sobre os direitos humanos,de uma forma geral,ganhou
espaço e a atenção de quem faz televisão a partir de fatos fortes,
com cenas difíceis de serem postas de lado.O massacre dos 111 presos
na Casa de Detenção de São Paulo,o Carandiru,em 1992,é apontado
pelo pauteiro do Jornal Nacional como a gota d ’água para que não
mais se pudesse evitar o assunto direitos humanos na mídia.“A
partir daquele momento,criou-se uma cultura de olhar os direitos
humanos na base da porrada. Não foi uma coisa de
conscientização,foi mesmo um soco na cara das pessoas.Agora a gente
já pode abrir o Jornal Nacional dizendo que há um relatório sobre
direitos humanos que vai ser discutido na ONU ”,relata Horta. Ele
destaca ainda o relevante papel do profissional jornalista na briga
por espaço para o tratamento do tema nas redações e conseqüente
veiculação ou publicação do “material até então incomum ”.“Independente
da postura da emissora,começou a criar-se essa visão de pressionar
para que aquilo,de alguma forma,entre.”Se isso ainda vale para o
nosso momento atual, pode ser reforçado pelo fato de que é crescente
o debate interno sobre questões éticas dentro das redações.“Hoje,a
maior parte dos grandes jornais definem princípios éticos para os
jornalistas atuarem.(...)Pode parecer óbvio,mas não faz muito tempo
que procurar ouvir os dois lados de uma história passou a ser
obrigatório ”,exemplifica Roldão Arruda,lembrando que fóruns e
seminários têm sido realizados para a reflexão sobre a atividade
jornalística,no que tange aos direitos humanos,na medida em que o
direito à informação é um direito humano. “Falta de
moradia,saneamento básico,educação de qualidade, luz
elétrica,água encanada e falta de segurança –isso também é
violação de direitos humanos.”.Manual de Mídia e Direitos Humanos
16 Há consenso de que existem muitos obstáculos para o tratamento
dos direitos humanos na mídia brasileira.A começar pelo fato de
que,no Brasil,a violação é conseqüência direta da cada vez maior
má distribuição de renda.De acordo com Roldão Arruda,pode-se dizer
que “há violação de direitos humanos por toda parte,embora não
se perceba ou não se associe falta de moradia,de saneamento
básico,de educação de qualidade,de eletricidade e de segurança
com violação de direito humano.” Mas tudo isso é.. Para agravar a
situação,a relação entre mídia e movimentos de direitos humanos
não é boa,o que dificulta a abordagem da questão.Um problema
apontado por Nilson Oliveira,da Folha de S.Paulo,e reforçado por
Oscar Vilhena,é o de que a mídia brasileira não estaria conseguindo
ultrapassar um certo “denuncismo ”na cobertura dos direitos
humanos.“O denuncismo esgota-se até porque se viola direito com
uma sistematicidade insuportável no Brasil,que as denúncias
começam a perder valor,deixam de provocar indignação moral.Cria-se
uma insensibilidade ”,afirma Vilhena.E se tudo vira estatística,
como transpor o denuncismo? “É possível construir informação
construtiva a respeito de direitos humanos?” Um dos organizadores
deste projeto,Vilhena lembra que a questão a discutir-se diz respeito
à qualidade e ao enfoque que se dá aos assuntos ligados a direitos
humanos.“Não precisa ser um Carandiru para as pessoas
chorarem,bastaria um jovem negro que virtualmente foi torturado dentro
das Lojas Americanas.Mas isso não ganha muita relevância,é colocado
numa notinha de jornal.Mas se aparecem mais 50 casos assim, começa a
fazer sentido ”,completa. Nilson Oliveira aponta o processo
investigativo em grande parte das redações como muito frágil,de
modo que informações importantes muitas vezes não são trabalhadas
por um problema.17 Manual de Mídia e Direitos Humanos no processo de
buscar a notícia e de apurá-la da forma correta. Muitos casos acabam
com o “provavelmente era envolvido com drogas ”,o que ganha o peso
de uma condenação,uma vez registrado pela mídia e as
investigações não vão adiante.Todos satisfeitos,suposto “culpado
”punido –com a morte,comumente –, caso encerrado.Isso não pode
acontecer.A reportagem precisa ir atrás da história. Para Sandra
Carvalho,uma referência como assessora de imprensa na questão dos
direitos humanos no Brasil,nem sempre o militante entende como
funciona a pauta dos veículos de comunicação.“Qual a relação
que se vai ter com o jornalista?Como passar a informação?”Sandra
sustenta que é preciso aprender a levar as informações para os
jornalistas e que um bom trabalho de assessoria pode fazer a
diferença entre um relatório de execuções sumárias ser divulgado
pela maior parte dos meios de comunicação ou não. Mas faz uma
crítica:“A gente ainda não deu esse passo além em relação à
mídia,que nunca dá espaço para as causas sociais.A gente está
basicamente denunciando uma situação de exclusão social com
relatórios,mas não há espaço para tratar essas questões de fundo.”Raquel
Rolnik completa:“Aquilo que não é um fato que se transforma em
show e motivo de oito entrevistas do Oscar por dia é o varejo,é a
violação,o racismo ou a condição de exclusão que está no
cotidiano,na base,e que na verdade não se transforma em notícia.”
“Como a mídia pode não reforçar o que está estigmatizado pela
sociedade?” Estigmas reiterados pela mídia freqüentemente
prejudicam aqueles que com eles têm contato sem outra
alternativa.Lúcia Nader,do Instituto Sou da Paz,exemplifica:“Em um
projeto no Jardim Ângela várias pessoas falam que as tevês só
aparecem lá para gravar assassinato que não é normal,quando alguém
morreu com onze tiros,por exemplo.Assassinato normal existe.Manual de
Mídia e Direitos Humanos 18 a cada dez minutos e isso leva ao
estigma.Essa pessoa que me disse isso estuda jornalismo e tem vergonha
de escrever no currículo que mora no Jardim Ângela.Um editor que
for contratá-la provavelmente só viu notícias ruins sobre aquele
lugar.” Raquel Rolnik tem mais um exemplo,o caso da Favela Naval, em
Diadema –um flagrante de televisão mostrou policiais agredindo
pessoas abordadas na rua,culminando em uma morte. “Se é verdade que
o episódio da Favela Naval foi uma baita de uma denúncia sobre como
a polícia destrata a população,teve uma outra leitura da notícia
na maneira como foi veiculada. Diadema aparece como um lugar da
violência sem limite.E eu acompanhei,por acaso,naquele momento,o
esforço que Diadema estava fazendo para destruir o mito da barra
pesada,tentando construir uma política pública de dignidade da
pessoa humana.” Editores de grandes jornais,como Nilson Oliveira,da
Folha de S.Paulo,admitem falhas por falta de cuidado,atenção e
correção que reforçam estigmas.E dá um exemplo.“Uma arte
(ilustração)publicada na minha editoria retratava ação de traficantes e estes apareceram como se fossem todos negros.Passou pela
editoria de arte,pelo editor assistente,foi publicada.No dia seguinte
a ombudsman Renata Lo Prete apontou a falha ” conta
Oliveira,atribuindo o incidente a um descuido e também a um problema
cultural muito presente nas redações.Mas afinal,eram ou não eram
negros?Havia provas?O caso foi discutido internamente no jornal. Na
visão da especialista Maria Aparecida,do Geledés,“as práticas
de dominação racial no Brasil são naturalizadas [e por isso ] não
ganham espaço para que se tornem notícia.”Para Cidinha, como é
conhecida,violações passam por fato normal refletindo o caráter
historicamente racista da cultura brasileira.Exemplo: casos,como o
citado acima,em que só o negro aparece como bandido.“Não há
violação maior de direito humano do que se roubar a humanidade de
uma pessoa.É dizer que ela é menos humana que outras porque tem tais
características.”.19 Manual de Mídia e Direitos Humanos Roldão
Arruda aprofunda a discussão,afirmando que a mídia ainda constrói
seu trabalho em cima de vieses.“O maior desafio da mídia hoje é
saber como um dia a gente vai fazer com que 60 execuções por mês na
periferia tenham o mesmo impacto que uma morte nos Jardins,bairro de
classe média alta em São Paulo.Há uma insensibilidade nossa em
relação a isso.A gente acostumou-se a essa estatística.” Segundo
Arruda,embora o interesse das classes média e alta seja ler sobre o
que acontece no seu próprio contexto econômico e social,onde
circulam os grandes jornais,há uma parte deste público que se
interessa por refletir sobre o resto da sociedade,o que justificaria
um noticiário mais equilibrado. “Às ONGs também é possível
avançar:sair do denuncismo e dar mais atenção à impunidade.”
Outro fator apontado pelo repórter do Estadão como obstáculo à
cobertura na área dos direitos humanos é a impunidade.“Deve
haver uma ênfase para romper esse círculo todo de violação de
direitos humanos.As ONGs também não dão a devida atenção à
questão.Os crimes vão continuar acontecendo enquanto as pessoas
sentirem-se seguras para continuar cometendo ”,afirma Arruda.Ele
explica que muitas pessoas não fazem denúncias de crimes porque
sofrem preconceito muito grande,caso dos homossexuais. Para os
presentes ao debate,o jornalista teria um papel definido para
combater a impunidade.“Acompanhar se o sujeito foi ou não foi
julgado,cobrar das instituições,buscar saber se o sujeito foi preso
ou não.Acho que esse é o primeiro passo para assustar a pessoa que
vai cometer o crime.Acho que as ONGs também ficam no denuncismo e a
gente não sabe como acompanha aquilo,como romper esse círculo ”,diz
Arruda. É cômodo para o repórter encerrar um assunto ouvindo dois
lados da questão.Não seriam poucas fontes?Qual a posição desses
personagens na mídia?Ouvem-se os dois lados,muito.Manual de Mídia e
Direitos Humanos 20 bem,“mas nunca três,quatro,cinco,sete?”,pergunta
Raquel Rolnik.“É como se tivesse uma fórmula.Eu entendo que o jornalista está muito preso nessa obrigação de ouvir o responsável, a
autoridade,mas tem questões que podem ser muito mais contraditórias e que eventualmente a autoridade nem tem muito a ver com
isso ”,completa. “Quando razões políticas ou editoriais
empobrecem o debate:por que não incluir na cobertura os projetos de
políticas públicas?” O motivo pode ser político ou simplesmente a
falta de interesse ou incompatibilidade com a linha editorial.Mas
existe um obstáculo entre os projetos de política pública e a
mídia,como apontou Maria do Rosário Silas,assessora do PT na Câmara
Municipal e ouvinte na mesa de debates aqui sistematizada. Nilson
Oliveira confirma:“o tratamento de projetos de política pública
está praticamente mecanizado.Não há uma cobertura mais
instigante,crítica e ao mesmo tempo explicativa e interessante.”
Se uma das questões centrais para a prevenção contra a violação
dos direitos humanos encerra-se nas políticas públicas, por que a
falta de interesse em acompanhá-las?Seria porque aos olhos da mídia
não são fatos?Como cobrir bem esses processos? A falta de
estatísticas oficiais é um dos maiores obstáculos para o trabalho
das ONGs,segundo Sandra Carvalho.Faltam mais fontes confiáveis como o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)e o Instituto
de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA),segundo os presentes.Isso
porque números oficiais muitas vezes dão a sustentação que falta
para uma pauta sobre direitos humanos emplacar.“Às vezes é
difícil o acesso a um inquérito,por exemplo.Nos casos de
discriminação,a única delegacia de crimes raciais,que era uma
porcaria,mas pelo menos existia,foi extinta pelo Governo Covas ”,afirma
Sandra. “Quando é que vamos dar um salto de qualidade para a construção de um universo preventivo dos direitos humanos,mesmo.21
Manual de Mídia e Direitos Humanos que talvez seja muito menos
vendável do ponto de vista da cara dos jornais,revistas e
telejornais?Como não derrubar notícias quando se dá um pouco mais
de complexidade ao problema?”,pergunta Oscar Vilhena. Atos isolados
de violação dos direitos humanos decorrentes de violências são
muitos e não despertam o interesse dos pauteiros se desacompanhados
de dados que sustentem uma tese.Esta é a opinião de Nélio Horta,da
TV Globo.Ele afirma que é possível sair da lógica perversa de não
aprofundar a discussão porque há pouco tempo.“A partir do momento
em que as ONGs me derem essa vírgula depois da história,eu volto ao
caso.(...)Se eu não tiver como ir adiante,aí fica,numa expressão
pejorativa,varejo de violência ”,afirma Horta. “Eu tenho de ir
atrás,eu tenho de ter alguém [para a história ]. É por isso que a
gente conta,por muito tempo,e acho que todos os veículos,com o
Ministério Público.Porque se o cara tenta fazer [investigação ou
denúncia ],pelo menos tenho uma história.E passo a quem está me
assistindo uma sensação de que mais alguém além do Jornal Nacional
está interessado no assunto.Se não,fico com um jovem que sofreu uma
situação de violência,que registrou um boletim de ocorrência,que
isso vai para a Justiça,e não vai dar em nada,porque ele está sem
suporte necessário para que esta notícia volte para mim.O passo
seguinte é o de quando você me dá um relatório.Aí temos duas
opções:ou a gente inferniza você para arrumar as histórias,ou
então vou dar uma nota,pelada,sem imagem.” As pessoas que trabalham
em ONGs mantém contato com as vítimas,com a situação de
violação.Por isso,porque podem ajudar a conseguir personagens,é
fundamental que colaborem para a realização das reportagens.Por
outro lado,a empresa jornalística muitas vezes tem
condições,inclusive financeiras, para levar uma investigação à
frente,e uma ONG não.Daí a importância da sintonia entre os dois
lados,como comenta Nilson Oliveira:“Quem municia a mídia também
deve ter a.Manual de Mídia e Direitos Humanos 22 preocupação de
passar informações objetivas,com seu nível de precisão e até dar
a dica de qual o caminho das pedras para o jornalista poder avançar
em uma investigação.” Nilson Oliveira opina:“Você pode reunir
várias histórias do varejo e criar uma grande história (...).Uma
orientação que é passada aos repórteres é justamente esta:a de
ficarmos atentos a essas coisinhas,porque em algum momento uma
intervenção certa pode trazer algo à tona,e isso é um processo de
reflexão que o repórter precisa ter.” Outro ponto importante
levantado na discussão diz respeito ao vastíssimo campo a ser
explorado na comunicação da periferia com ela mesma.Rádios
comunitárias,jornais de bairro e a Internet são meios de
comunicação fundamentais para que mídia e direitos humanos possam
trabalhar com sucesso e juntos em áreas com alto índice de
violações.Esse ponto foi levantado por Roldão Arruda,que sentiu
falta dessas mídias alternativas na mesa de debates. RECOMENDAÇÕES
Profissionalização das ONGs na forma de transmitir as informações
nas redações Os jornalistas presentes nesta mesa de debates
defenderam a idéia de que deve haver uma profissionalização na
maneira pela qual as ONGs passam a informação às redações.E isso
não se resumiria ao release bem feito. Roldão Arruda afirma:“Se
você tem um banco de dados, se você tem uma pessoa bem informada na
hora em que o jornalista liga perguntando uma coisa,você pode dizer
‘olha, tem isso mas tem esse outro lado aqui que é interessante
(...)’. Aquilo às vezes completa uma informação,pode ampliar uma
matéria,pode sugerir outra.E precisa ter pessoa disponível para.23
Manual de Mídia e Direitos Humanos falar.Uma boa assessoria de
imprensa coloca o jornalista em contato com uma pessoa bem informada
logo.” Nélio Horta ilustra:“Se vocês me dizem que a delegacia
foi extinta,a notícia tem que chegar para a gente não apenas assim,
mas como foi extinta a delegacia,que vai deixar um monte de gente sem
ter onde reclamar.Aí você tem a notícia.”E ele completa,dizendo
que é importante sugerir pautas sempre e não desistir se não
conseguir emplacar na primeira vez. Dicas para levantar uma boa
matéria .“O acompanhamento de inquéritos policiais é muito
importante em termos de direitos humanos e de combate à
impunidade.Exemplo:prende-se fulano, fala-se que ele matava 500
pessoas na periferia.Aquilo ali é muitas vezes a polícia desovando
um monte de casos que ela não conseguiu resolver,deixando de procurar os verdadeiros responsáveis pelos crimes.Ele vai para a
história como um maníaco que matava gente, mas ninguém foi ver
depois no que deu o inquérito policial,se ele foi julgado,se não
foi.Ter um grupo que acompanha as vítimas de violações de direitos
humanos nos processos é muito importante. .Números cabeludos,dados
incorretos.Jornalistas e ONGs devem “desmitificar ou desmascarar
números errados ”.Muitas vezes números são chutados muito para o
alto dando a impressão de que se trata de um problema sem solução.E
aí se desiste de resolvê-lo. Um exemplo:“Teve um número de que se
falava durante muito tempo,que tinha meio milhão de menores
prostitutas.Fui fazer a conta na Fundação Carlos Chagas e faltava
homem para transar com todas essas meninas no Brasil.Isso induz a um
erro.Se dissessem que temos 40 mil ou 50 mil seria um
problema.Manual de Mídia e Direitos Humanos 24 que dá para
solucionar,ou seja,dá para pensar numa política para solucionar.Mas
chutar esse número para meio milhão,a coisa fica insolúvel,não é?”
.Evitar condescendência com “governos simpáticos ”,pois muitas
vezes não se cobra deles o que é seu papel e não tem sido feito
direito.“Lógico que tenho um constrangimento de dizer que no
governo Covas a polícia matava tanto quanto no governo Fleury.Para
mim é uma coisa horrorosa porque primeiro,eu acho que os secretários
eram diferentes (...),mas se você for pegar estatisticamente,é a
mesma coisa ”,diz Oscar Vilhena. Investir na formação dos
militantes Um passo anterior que pode garantir a qualidade da
informação,seja por parte de quem passa ou recebe a pauta,é ter uma boa
formação.“Se de um lado a imprensa precisa aprimorar os seus
procedimentos de apuração,para ser cada vez mais precisa ao retratar
a realidade,do outro lado,as ONGs precisam fazer a mesma coisa.O
repórter que cobre polícia tem que ter conhecimento,básico que
seja,de medicina legal para entender um laudo,de direito,de processo
investigativo.Tudo isso para que,ao investigar,possa dar os passos
certeiros e oferecer ao leitor o que há de mais preciso
possível.Quem passa a informação para o jornalista também tem
que se preocupar com isso ”,afirma Nilson Oliveira.
Conscientização pela proximidade Mostrar os direitos humanos como
algo mais próximo das pessoas.Essa é uma preocupação de Lúcia
Nader,do Instituto Sou da Paz,que pergunta:“Imagino se é possível
uma conscientização que passe por trazer os direitos humanos como
uma coisa mais próxima das pessoas e não só como aquilo que
acontece no Carandiru,na favela.E trazer os direitos humanos para
a.casa das pessoas passa também pela linguagem que o jornal vai
usar.Por exemplo,quando você trata de direitos econômicos e
sociais.Nunca vi nenhum jornal falar ‘a educação,direito humano
’,mas quando é a tortura proibida pela declaração [universal
]então,sim.Será que não está na hora de começar a tratar os
direitos econômicos e sociais como direitos humanos também,não
apenas civis?” A exclusão social no Brasil como causa das
violações Roldão Arruda parte do ponto de que,para se trabalhar as
questões de direitos humanos,é preciso “encarar a realidade de que
no Brasil direitos humanos são um problema colossal,a começar pelas
conseqüências trazidas pela má distribuição de renda ”,afirma.
“Tudo aquilo que a humanidade tem de conforto,de bem-estar e está
sendo negado a milhões e milhões de pessoas neste país são
direitos.Mas nós ainda temos aquela concepção de violação dos
direitos humanos como um tapa na cara.” Tanto para jornalistas,como
Roldão Arruda,e ativistas,como Sandra Carvalho e Cidinha,a condição
de exclusão no cotidiano brasileiro é a grande questão que não
se transforma em notícia porque virou o corriqueiro,o fato normal.
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